sexta-feira, 26 de abril de 2013

O reinado de Luiz Gonzaga



“O forró sem Luiz Gonzaga é a bossa nova sem João Gilberto”, diz Carlos Marcelo, jornalista e autor de O Fole Roncou! – Uma História do Forró (Zahar). O livro foi escrito em parceria com o também jornalista Rosualdo Rodrigues, que defende a importância de Gonzagão para a história da música. “Ele e Tom Jobim são os dois grandes pilares da música popular brasileira.” Para os dois, é impossível falar em forró ou na expansão do estilo para regiões além do Nordeste sem mencionar Gonzagão. Não por acaso, o dia nacional do forró é comemorado em 13 de dezembro, data de nascimento do pernambucano. 

No Rio de Janeiro, até 1940, ouvem-se bolero, samba-canção, polca. Gonzaga, que acaba de pedir baixa do Exército e espera um navio para voltar à sua terra, conhece o violonista baiano Henrique Xavier Pinheiro, que se torna seu amigo e o ensina a ganhar a vida com a música. Viagem de volta adiada, Gonzagão mergulha nos bares do Rio, onde se sustenta reproduzindo o conhecimento musical que recebeu do pai, o tocador e consertador de foles Januário dos Santos. 

Nada de forró, baião ou choro. O repertório de quem será chamado de “rei do baião” a partir da década de 1950 é composto do que fazia sucesso na época, lembra Regina Echeverria, autora de Gonzaguinha & Gonzagão (Leya). Tangos, valsas e foxtrotes são os responsáveis por dar ao pernambucano seus trocados, recolhidos em pratos. Até que um grupo de estudantes cearenses, em um bar, sugere: “Você não sabe tocar nada lá do Norte? Quando voltarmos aqui, você vai tocar para a gente lembrar da nossa terra”, escreve Regina no livro. 

Gonzaga, então, ensaia e espera. Quando os rapazes voltam, toca aqueles que serão seus primeiros sucessos: as composições Pé de Serra e Vira e Mexe Pé de Serra e Vira e Mexe. A novidade agrada de imediato e ele é incentivado a mudar o repertório, ainda mais quando é ovacionado pelo público do programa de rádio Calouros em Desfile, de Ari Barroso, ao apresentar Vira e Mexe. Sua primeira participação em disco vem em 1941, na música A Viagem de Genésio, de um dos pioneiros da música sertaneja, Genésio Arruda. 

Seus primeiros discos como sanfoneiro vêm logo em seguida, com composições instrumentais de sua autoria, na maior parte dos casos. Gonzagão não canta nem em seus discos nem nos programas de rádio de que participa e, quando tenta, é criticado ou proibido – como quando foi vetado pelo diretor da rádio Tamoio, Fernando Lobo. O preconceito com o sotaque pernambucano é apontado como o principal obstáculo por Regina Echeverria. 

A partir de 1945, ele vence o preconceito e grava o primeiro disco como cantor – aquele que seria já o seu 25º como sanfoneiro. Estão lá Dança Mariquinha (“Quitiribom, quitiribom, / Toca no baixo desse acordeom / Quitiribom, quitiribom, / Que mazurquinha / Que compasso bom”), parceria com Miguel Lima, de um lado, e Impertinente (instrumental), composição sua, do outro. 

Parcerias – Gonzaga não é o único responsável por levar o baião – e toda a subcultura do forró – do Nordeste para o resto do país. Na sua trajetória de espalhar o ritmo e a alegria de Pernambuco, conta com a pronta ajuda de parceiros musicais, que, não raro, contribuem para modificar a música que o exuense faz. “Gonzaga não é um homem de letras, é um homem de música. Ele disse que aprendeu a ler de fato olhando cartazes nas estradas quando estava no Exército”, diz Regina. Mas o sanfoneiro, que fez suas primeiras leituras ainda em Exu, está presente em cada uma das letras que canta, pois sugere temas, muitas vezes resgatados da sua infância. “O pai, Januário, inclusive reivindicava a autoria de Asa Branca, de tanto que o Gonzagão usou na canção as suas memórias mais remotas, de quando morava no sertão.”

Asa Branca (“Quando olhei a terra ardendo / Qual a fogueira de São João / Eu perguntei a Deus do céu, ai, / Por que tamanha judiação”), na verdade, é fruto da combinação certeira do sanfoneiro Gonzaga e do advogado cearense Humberto Teixeira, letrista de grandes sucessos da carreira do pernambucano. Juntos, compõem cerca de vinte canções, entre elas Baião (“Eu vou mostrar pra vocês / Como se dança o baião / E quem quiser aprender / É favor prestar atenção”) e Respeita Januário, em que o sanfoneiro lembra o pai (“Luiz, respeita Januário / Luiz, tu pode ser famoso / Mas teu pai é mais tinhoso/ E com ele ninguém vai”). 

Outro parceiro importante de Gonzaga é o conterrâneo Zé Dantas, que, segundo Carlos Marcelo, insere uma temática mais sofrida na música do exuense. “Dantas mostra o ponto de vista do sertanejo, do sertão recôndito, menos conhecido do que é mostrado com Humberto Teixeira.” Da parceria, nascem O Xote das Meninas (“Mandacaru quando fulora na seca / É o sinal que a chuva chega no sertão / Toda menina que enjoa da boneca / É sinal de que o amor já chegou ao coração”) e Vozes da Seca (“Pois, doutô, dos vinte estado temos oito sem chovê / Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê”).

No começo da década de 1980, outro nome aparece ao lado de Luiz Gonzaga nos créditos das músicas. “João Silva, mais um pernambucano, ajudou a resgatar o sucesso com músicas que são o ‘canto dos cisnes’ do Gonzaga”, afirma Carlos Marcelo. Danado de Bom (“Tá é danado de bom / Tá danado de bom meu compade / Tá é danado de bom / Forrozinho bonitinho, / Gostosinho, safadinho, / Danado de bom”) é um desses hits. 

Mas a dupla mais famosa do sanfoneiro talvez tenha sido o próprio filho, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha. No começo dos anos 1980, os dois superam as suas diferenças e saem em turnê pelo país, como Gonzaguinha e Gonzagão. O disco duplo Descanso em Casa, Moro no Mundo, gravado em parceria com o filho, é de 1981. Nele, estão músicas como Sangrando (“Quando eu soltar a minha voz / Por favor entenda / Que palavra por palavra / Eis aqui uma pessoa se entregando”), de Gonzaguinha.

Gonzaga como estrada – “Quando Gonzaga começa nos anos 1940, não há uma conexão do país com o Nordeste por meio de estradas, por exemplo. Ele é a pessoa que apresenta o Nordeste ao Brasil e o Brasil ao Nordeste por meio da música.” O que Carlos Marcelo diz é complementado por Rosualdo Rodrigues: “Ele pega um ritmo que existe no Nordeste e formata para o conceito radiofônico, comercial, para ser veiculado no resto do país”.

Parte dessa ligação promovida dentro do país por Gonzaga se deve a seu talento de traduzir na voz os dramas e alegrias de seu povo e de seu tempo. “Quando ele passa a cantar e é aceito por isso, dizem que não precisa nem de microfone, já canta como se tivesse amplificador na garganta. O Gonzaga passa a ser cantor dos sentimentos da sua geração”, diz Marcelo.

Para os jornalistas, o forró é um dos poucos estilos que começaram regionalmente e se tornaram nacionais. O gênero carrega com ele as dificuldades e as alegrias do homem nordestino. Ao mesmo tempo em que as letras denunciam a seca e a pobreza, o ritmo exalta as paixões, as festas, a dança. “Boa parte das pessoas não presta atenção nisso, mas as letras do forró não são necessariamente alegres, são muitas vezes letras melancólicas”, afirma Carlos Marcelo. “Mas o ritmo é contagiante e convida à dança”, diz Rodrigues.

Por influência direta de Gonzaga, outros artistas são encorajados a cantar a região. Do conterrâneo Dominguinhos ao cearense Fagner, passando pela paraibana Elba Ramalho e pelos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, todos se dizem influenciados por ele. “O mais importante é que o Gonzaga não é egoísta, não quer guardar o sucesso só para ele e leva diversos artistas nordestinos para o Rio de Janeiro e São Paulo, defende essa bandeira durante toda a sua vida”, afirma Carlos Marcelo.

Na opinião de Rodrigues, Gonzagão é o artista na acepção pura da palavra. “Ele sobe num caminhão para cantar para o povo. É uma verdadeira lição para os artistas de hoje, que são muito ligados ao lucro e à fama. Ele é um artista que vive pela arte”.


Era com boa intenção que eu me apresentava, em cima de caminhão, levando o patrocinador nas costas, fazendo espetáculos nas praças públicas, improvisando espetáculos em determinadas praças... Agora, tudo isso por quê? Porque não me achava suficiente para concorrer com ninguém„

“ A gente tem obrigação de fazer cultura pra preservar as tradições, pra contar a própria história„



Fonte: http://veja.abril.com.br/infograficos/especiais/luiz-gonzaga/musica.shtml


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