sexta-feira, 26 de abril de 2013

Biografia de Luiz Gonzaga


Luiz Gonzaga do Nascimento nasce em 13 de dezembro de 1912 em Exu, sertão de Pernambuco. É o segundo dos nove filhos de Januário José dos Santos, que se divide entre o conserto de foles de sanfona e o trabalho como lavrador na Fazenda Caiçara, na cidade de Exu mesmo, e Ana Batista de Jesus, conhecida pelo apelido de Santana. Seu nome, escolhido no próprio batizado, é tanto uma homenagem ao dia de Santa Luzia e a São Luiz Gonzaga, o padroeiro da juventude, como ao nascimento de Jesus, comemorado no mês dezembro.

Gonzaga tem as primeiras noções de leitura e escrita com a família de Manuel Aires de Alencar, prefeito de Exu que o contrata para cuidar de seu cavalo. Aos 12 anos, passa a frequentar a escola, mas por pouco tempo, já que tem de ajudar os pais na lavoura. Por influência de Januário, o menino aprende a tocar sanfona com cerca de 10 anos e aos 13 já se apresenta sozinho em festas na região. É a sua primeira declaração de independência, que se concretiza aos 18 anos, quando foge de casa para se alistar no Exército, em Fortaleza. Gonzaga corre depois de ser ameaçado pelo coronel Raimundo Diolindo, que não acha graça nas intenções do garoto com a filha Nazarena, a Nazinha, e de levar uma sova dos próprios pais, que acham ainda menos engraçado ter um filho se metendo em confusão. “Minha mãe soube, contou para o meu pai, que me trancou na camarinha. Dona Santana me deu uma surra daquelas”, contará mais tarde Gonzaga, em declaração transcrita por Regina Echeverria no livro Gonzaguinha & Gonzagão (Leya).

Como recruta nº 122, o rapaz viaja o Brasil por dez anos. Em 1938 está no Rio de Janeiro, prestes a dar baixa, mas cai em um golpe e é punido pelo Exército, manchando uma carreira que nunca chegou a ser brilhante – em um reencontro com o pai, o menino prometeu que nunca iria ferir ninguém e cumpre à risca o combinado. O golpe acontece em São Paulo, aonde ele chega atrás de uma sanfona alemã de 80 baixos anunciada por um caixeiro-viajante. Um anúncio falso: ao chegar à cidade, Gonzaga descobre que a loja não existe. Com pena, o dono do hotel em que ele se hospeda faz o filho lhe vender a sanfona, também uma alemã de 80 baixos. A um preço alto, diga-se: além dos 700 mil-réis que paga ao menino, quando volta ao Rio o filho de Januário é detido por quatro dias por ter viajado sem a permissão do Exército. E assim dá baixa sem louvor na carreira de militar. 

Na ainda capital federal, enquanto espera o navio que vai levá-lo a Recife, de onde planeja seguir de trem para Exu, é apresentado ao bairro do Mangue, entre o centro e a zona norte da cidade, por um amigo do Batalhão de Guardas, unidade de elite do Exército. Ponto de encontro de marinheiros e prostitutas, o lugar atrai Gonzaga, que resolve tentar a sorte por lá, tocando em bares. Em um deles, o bar do Espanhol, conhece o baiano Henrique Xavier Pinheiro, violonista que se torna amigo e protetor do pernambucano. 

Xavier e a mulher, Dina, o ajudam a se instalar no Rio, no Morro de São Carlos. Gonzaga passa a década de 1940 tocando, em cabarés da Lapa, um repertório que não denuncia a sua origem nordestina: tangos, como El Día que me Quieras, do argentino Carlos Gardel, valsas, polcas, boleros e outros ritmos em alta na época.

Regina Echeverria lembra que o sanfoneiro, no começo da carreira, também não se veste como cangaceiro, figurino que o caracterizará mais tarde. “Ele toca sanfona sempre de terno, porque acha muito chique, mas depois de ver o sanfoneiro gaúcho Pedro Raimundo se vestir com bombacha e outras roupas típicas do Sul, pensa: ‘Se ele pode, eu também posso’”. No início, usa apenas um chapéu, mas se rende por completo ao Nordeste e a seu estilo de roupas em 1953, inspirando-se em Virgulino da Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião, quando já é famoso por tocar baião, ritmo que faz parte do gênero – ou subcultura – do forró, assim como o xote e o xaxado. 

Ainda com o repertório de tangos e boleros, enfrenta programas de calouros em várias emissoras de rádio, sem grande repercussão e notas apenas regulares, entre 2,5 e 3, quando a máxima era 5. Na atração comandada por Silvino Neto na Rádio Nacional, Gonzaga se sente envergonhado ao cantar a um grande público, pela primeira vez, uma música com sotaque pernambucano.

“As pessoas tinham preconceito por causa do sotaque. Só depois ele é aceito e aí começa a receber muita carta de fã, fica popular.”, diz Regina ao site de VEJA. O começo pode ser difícil, mas, uma vez aceito, Gonzagão terá na voz uma de suas principais marcas, segundo Carlos Marcelo, que escreveu o livro O Fole Roncou – Uma História do Forró (Zahar) em parceria com Rosualdo Rodrigues. “Ele tinha poder inigualável e voz facilmente reconhecível.”

O ponto de virada da carreira do exuense vem quando, a pedido de estudantes cearenses em um bar, ele toca músicas típicas do Nordeste, que aprendeu quando menino. Foi um sucesso nos bares quando tocou pela primeira vez as composições Pé de Serra e Vira e Mexe, que apresentou também no programa Calouros em Desfile, de Ari Barroso, de onde saiu com a nota máxima e o prêmio de quinze mil-réis, além da aclamação do público. 

Luiz Gonzaga adquire experiência tocando em dancings como o Belas Artes, o Farolito e o Samba Dancing, onde trabalha mais de um ano com contrato assinado, a partir de 1941. Lança seus primeiros discos instrumentais, já em posse da sua mais nova sanfona, uma de 120 baixos da marca Scandalli, em 1941, pela gravadora RCA-Victor. O primeiro contém as composições Véspera de São João, estava em parceria com Francisco Reis, e Numa Serenata, e o segundo, as músicas Saudades de São João Del Rei, de Simão Jandi, conhecido com Turquinho, e Vira e Mexe. De acordo com o livro Gonzaguinha & Gonzagão, o sanfoneiro grava, nos cinco anos subsequentes, cerca de 70 músicas, quase todas de sua autoria. 

Luiz Gonzaga em 1968

No mesmo ano em que lança seus primeiros discos, estreia como músico profissional no dial. Primeiramente, vem o convite da Rádio Clube para substituir um sanfoneiro que vai viajar, mas é com a Tamoio (originária da Tupi) que ele assina contrato. Apesar de contratado, tem obstáculos para cantar. Sua voz – e seu sotaque – são novamente recebidos com estranhamento, dessa vez pelo diretor da emissora, Fernando Lobo, que ordena que ele apenas toque após ouvi-lo interpretar a canção Dezessete e Setecentos (“Eu lhe dei vinte mil réis / Pra pagar três e trezentos / Você tem que me voltar / Dezesseis e setecentos! / Dezessete e setecentos!”), hit de Manezinho Araújo, conhecido como rei da embolada, e o letrista Miguel Lima. 

Teimoso, Gonzaga desobedece a ordem ao cantar no programa de Átila Nunes e é demitido. Mas o episódio não diminui o alcance que ele tem, então. Em 1944, grava a mazurca Cortando o Pano (“Errei no corte, seu Zé Mariano / Peço desculpas pelo meu engano / Sou alfaiate do primeiro ano / Pego na tesoura e vou cortando o pano”), que domina as paradas, fruto da parceria do sanfoneiro com os compositores Miguel Lima Matos e Jeová Portella.

É nesse ano que conhece Odaleia Guedes dos Santos, integrante do coro de Erasmo Silva, cantor que já havia trabalhado com Gonzagão. A carioca e o pernambucano se apaixonam e passam a morar juntos até pouco depois da chegada de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, em 22 de setembro de 1945, filho que Gonzagão nunca teve certeza de ser mesmo seu, já que desconfia de que Odaleia sai com outros. 

Em abril de 1945, ele grava o primeiro disco como cantor, com as músicas Dança Mariquinha (“Dança, dança, Mariquinha / Para o povo apreciar / Essa boa mazurquinha / Que pra você vou cantar / Ouça, meu bem, / A sanfona tocar”), composição sua em parceria com Miguel Lima, no lado A, e a instrumental Impertinente, só dele, no lado B. Fecha contrato com a Rádio Nacional no mesmo ano e toca em vários programas da emissora, como Arco-da-Velha, de Floriano Faissal, e Nada Além de Dois Minutos, de Paulo Roberto. Com os discos, que lança a cada mês, a rádio e os shows, o exuense prospera e deixa o bairro do Mangue, indo morar na avenida Mem de Sá, no centro do Rio.

Em busca de um novo parceiro, Gonzaga procura Lauro Maia, que faz arranjo e melodias de xotes para o grupo Quatro Ases e um Curinga. Maia não se interessa e apresenta a Gonzagão seu cunhado, Humberto Teixeira, advogado cearense que acaba por dividir com o sanfoneiro a autoria de algumas de suas canções mais conhecidas: Asa Branca (de 1947, “Quando olhei a terra ardendo / Qual a fogueira de São João / Eu perguntei a Deus do céu, ai, / Por que tamanha judiação”), Baião (de 1949, “Eu vou mostrar pra vocês / Como se dança o baião / E quem quiser aprender / É favor prestar atenção”) e Que nem Jiló (“Ai quem me dera voltar / Pros braços do meu xodó / Saudade assim faz roer / E amarga que nem jiló / Mas ninguém pode dizer / Que me viu triste a chorar / Saudade, o meu remédio é cantar”).

Para Carlos Marcelo, esse é um momento decisivo para a carreira de Gonzaga, pois a dupla é a grande responsável por “apresentar” o baião ao sul do Brasil. “Eles criam clássicos, pedras fundamentais que formatam o gênero para o morador urbano brasileiro”, diz.
Ainda em 1945, apenas dois meses depois do nascimento do filho, Odaleia contrai tuberculose e é internada pelo sanfoneiro em uma casa de saúde em Petrópolis, motivo pelo qual o recém-nascido Gonzaguinha é deixado aos cuidados dos amigos do pai, Dina e Xavier. Com personalidades muito diferentes – Gonzaga é duro e não aceita o desejo de independência de Leia, como é conhecida a cantora – e depois de muitas separações e reconciliações, o casal finalmente decide tomar caminhos diferentes em 1946. Pouco depois, ela contrai tuberculose, doença que a matará, deixando órfão o filho Gonzaguinha.

O conquistador Gonzagão não perde muito tempo e já em 1947, ao conhecer a recifense Helena das Neves Cavalcanti, contrata a moça como sua secretária, para que responda as cartas que recebe na Rádio Nacional. Menos de um ano depois, sem ter tido qualquer envolvimento com ela, ele a pede em casamento. Apesar do susto, Helena aceita. Eles se casam em junho de 1948, mas o filho do sanfoneiro se torna um entrave para a felicidade do casal. A mulher não aceita o menino e não quer criá-lo, fazendo com que ele continue a morar com os amigos de Gonzaga. Gonzaguinha chama Dina de mãe e passa parte da infância e da adolescência em internatos, distante do pai, que segue casado e fazendo shows.

Luiz Gonzaga viaja a Pernambuco e conhece seu futuro parceiro, Zé Dantas, em 1949, mesmo ano em que transfere sua família para o Rio de Janeiro. Em 1950, o baião e o sanfoneiro vivem seu auge. Ele grava vinte composições e muitas chegam às paradas de sucesso, como Baião de Dois (com Humberto Teixeira, “Ai, ai, ai, ó baião que bom tu sois / Se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois”) e Cintura Fina (com Zé Dantas, “Vem cá, cintura fina, cintura de pilão / Cintura de menina, vem cá meu coração”). Em 1952, adota uma menina com Helena, Rosa Maria. 

É nessa época que o músico viaja por várias cidades brasileiras para se apresentar e, como é chamado de “o rei do baião”, começa a estabelecer seu domínio. Em 1956, nomeia a cantora Marinês, do trio Patrulha de Choque de Luiz Gonzaga, a rainha do xaxado. Ciumenta, Helena implica com Marinês e a parceria musical entre o marido e o trio não dura mais que poucos meses. Ainda assim, com frutos para a cantora. De acordo com Carlos Marcelo, Marinês foi a primeira voz feminina nordestina a fazer sucesso no Brasil inteiro.

Depois do apogeu, vem fatalmente o declínio. O alcance de Gonzaga deixa de ser universal na década de 1960, quando as classes média e alta passam a escutar a bossa nova, música do momento. O baião é ouvido em cidades do interior, pelo “povão”, como conta Regina Echeverria em Gonzaguinha & Gonzagão. Ele faz shows pelo Nordeste e canta em anúncios de lojas, vinho, remédios e outros produtos. Helena não aprova as viagens do marido, que o fazem ficar longe de casa por meses, e os dois entram em um período difícil no casamento, com altos e baixos. 

Os problemas crescem com a mudança de Gonzaguinha para a casa do pai. Depois de 16 anos, o menino decide encarar a madrasta e viver com aquele que lhe deu o nome, ainda que existam dúvidas, nunca resolvidas, sobre a paternidade de Luizinho. Mas a relação de Gonzaga com o filho é difícil. Aliás, em tudo diferente da que ele teve com o próprio pai, a começar pelo diálogo musical. Enquanto Januário incentivou o filho a tocar sanfona, no começo Gonzaga se indispõe à carreira de Gonzaguinha e o critica por seu pendor para a esquerda – o filho, por sua vez, o acusará de conivência com os militares. Em 1964, o sanfoneiro grava uma composição do filho, Lembranças da Primavera (“A primavera chegou / Tudo agora é flor / Lembro dos meus verdes tempos / E do meu primeiro amor”). Mas ainda está distante de lhe dar a bênção.

Em 1962, Zé Dantas falece e Gonzaga conhece João Silva, outro grande parceiro. Carlos Marcelo lembra que, apesar de menos conhecido, Silva foi o compositor que o pernambucano mais gravou. Nos anos 1970, o sanfoneiro viaja ao lado de Dominguinhos, a quem chamaria, um dia, de seu herdeiro musical, e grava o disco O Canto Jovem de Luiz Gonzaga, ao lado de nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Edu Lobo.

A distância entre o músico e Helena se torna cada vez maior, principalmente a partir de 1975, quando Gonzaga começa a ter um caso com a também pernambucana Maria Edelzuita Rabelo. O relacionamento dura catorze anos e, nos últimos dois anos de sua vida, Gonzagão vive só com Edelzuita. Se a vida ao lado da esposa está difícil, ao menos a relação com o filho, Gonzaguinha, melhora nessa época. No começo da década de 1980, o rapaz decide cuidar da carreira do pai e propõe fazerem uma turnê pelo Brasil. Juntos, Gonzaguinha e Gonzagão fazem mais de 100 shows, que dão novo impulso à vida do pernambucano e o colocam novamente em evidência. E aparam as arestas entre pai e filho.

Em 1984, recebe o primeiro disco de ouro, por Danado de Bom, é homenageado pelo Prêmio Shell e recebe o troféu Iracema em Fortaleza. Mesmo ensaiando a aposentadoria, não consegue abandonar a música e recebe outros discos de ouro e de platina nos anos seguintes. Em 1985, Gonzaga volta a morar em Exu e diminui o ritmo de apresentações. Sua memória se torna falha e ele sente dores violentas nas pernas. Em 1987, os exames apontam câncer na próstata e metástase nos ossos. 

Com dificuldades para andar, chega a fazer shows na cadeira de rodas, mas não quer se entregar. Em junho de 1989, é internado no Hospital Santa Joana, em Recife, com infecção urinária decorrente da osteoporose e, ainda no hospital, contrai uma pneumonia. Falece em 2 de agosto, de uma parada cardiorrespiratória.

Fonte: VEJA

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